Transtornos alimentares e a relação com a figura materna

Transtornos alimentares e a relação com a figura materna

Transtornos alimentares e a relação com a figura materna

A imprescindível necessidade de se averiguar a relação do paciente com transtorno alimentar com a figura materna.
Não só nos casos de transtorno alimentares, como em outros, em específico o uso abusivo de álcool e drogas, a relação com o primeiro objeto de amor, a mãe, é um elemento que deve ser considerado nos processos terapêuticos.

A Psicanalista, fundadora da corrente de pensamento das “Relações Objetais” Melanie Klein, trouxe grandes contribuições para a compreensão dessa complexa relação que é estabelecida na relação os bebês e suas mães. Segundo ela, desde o início da vida, os bebês que estão em contato com o seio para buscarem “nele” alento, segurança, conformo, calor e alimento, constroem através de um imbricado jogo psíquico, os fundamentos das relações que terão com outras pessoas e com a vida em geral. Nesse processo, sentimentos e impulsos de ataque ao seio materno são inconscientemente vivenciados pela criança pequena, e sentimentos de culpa e de medo de retaliação são fortemente experimentados. Uma das formas de se lidar com o medo da retaliação é a “negação” dos danos causados por esse “ataque” ao seio.

Apertando a tecla “SAP”, para compreensão dessa teoria: O Bebê tem fome, muitas vezes uma fome que para ele, um segundo de espera é suficiente para imaginar que sua morte será iminente. Assim, esse bebê que não sabe ainda o que é o tempo cronológico que nós adultos de alguma forma, mais ou menos elaborada, sabemos administrar e lidar, entra num estado de caos. Diante desse caos e as sensação de morte e aniquilamento , ele dirige sentimentos fantasiosos de raiva e ódio contra a principal fonte de alívio de suas necessidades de carinho, afeto, proteção e alimento – o seio materno.

Em textos elaborados por Melanie Klein, ela traz uma ilustração interessante quanto a períodos conturbados da amamentação e sentimentos da criança como que se estando sendo intoxicada pelo leite azedo. Na prática, o leite não está azedo, e nem a mãe está predisposta a intoxicar seu bebê, mas sim , o momento conturbado da amamentação é experimentado pelo bebê como sendo muito angustiante e que ele incorpora essa experiência como se sendo intoxicante. Desse exemplo, podemos retirar aprendizados dos rudimentos da problemática da adição de álcool, drogas, e outros transtornos, como os alimentares.

No processo terapêutico, muitos pacientes negam que a relação inicial com suas mães tenham sido prejudiciais, e querem pular essa etapa, negando por amor ou lealdade, quaisquer conflitos desse sentido. Em verdade, esse conflito perpassa a esfera consciente. Está enraizado em esferas inconsistência. Por isso precisam ser consideradas no processo terapêutico e analisadas.
No processo terapêutico, em minha prática ao se tratar desse tema, considero sempre a predisposição e as boas intenções das mães terem feito tudo aquilo que na ocasião foi possível, diante dos meios e dos recursos que dispunham.

Mesmo assim é imprescindível entender como as coisas aconteceram e como foram percebidas essas coisas pelos pacientes.
A forma como a comida ou o ato de comer ocorre, diz muito como foi vivenciada ou imaginada a relação com a mãe. Real ou imaginária, pessoas com transtorno alimentar tiveram suas relações com seu objeto de amor (a mãe) abalada. Rupturas drásticas certamente ocorreram no relacionamento.

Quem desenvolve bulimia, podemos pensar que a vivência com o objeto de amor foi sentido de forma intrusa, e que a assimilação e processamento dessa intrusão não ocorre, apenas é postergado para num determinado momento ocorrer a expulsão, através do vômito e da purgação essa intrusão. Quem desenvolve hiperfagia ou compulsão por comida, podemos pensar que a vivência com o objeto de amor foi sentido de uma forma insegura quanto a perder o amor desse objeto, por isso, inconscientemente a pessoa deseja continuar mantendo dentro de si o objeto que a alimenta e nutre, não tolerando o afastamento. É como que se o objeto de amor fosse engolido.

Quem desenvolve anorexia, podemos pensar que também a relação foi abalada e rupturas ocorreram. Essas pessoas sentem que a relação com o objeto de amor não foi saudavelmente rompido, havendo uma dependência. Por não suportarem essa dependência infantilizada, em um corpo adulto, sentindo-se sufocadas e a alternativa para afastar-se disso é deixar de comer, uma vez que inconsistentemente, quem está ainda alimentando o corpo adulto das pessoas que sofrem de anorexia é a figura materna. Assim, deixando de comer, triunfariam contra aquilo que o objeto de amor dá de alimento, conquistando a tão esperada autonomia emocional.

As consequências dos transtornos alimentares podem ser graves, inclusive, fatais. Mas é importante lembrar que é possível tratá-los com ajuda profissional. Independente das causas, os transtornos alimentares podem ser evitados e superados com tratamento adequado, relacionando psicoterapia à administração de medicamentos. O objetivo é que a relação com a comida volte a ser prazerosa, e não uma fonte de ansiedade e culpa.